quinta-feira, 2 de agosto de 2012

O Pequeno Príncipe e a Flor...

Eu havia visto o filme do Pequeno Príncipe há muitos anos atrás, mas não havia lido o livro, ontem ao lê-lo fiquei muito emocionada quando passei por este capítulo. Lindo demais. 


O Pequeno Príncipe
Antoine De Saint-Exupéry
 Cap. VIII

O pequeno príncipe, que assistia ao surgimento de um enorme botão, pressentiu que dali sairia uma aparição miraculosa, mas a flor parecia nunca acabar de preparar sua beleza, no seu verde aposento, Escolhia as cores com cuidado. Vestia-se lentamente, ajustava uma a uma suas pétalas. Não queria sair, como os cravos, amarrotada. Ela queria aparecer no esplendor da sua beleza. Ah, sim! Era vaidosa. Sua misteriosa toalete, portanto, durara alguns dias. E eis que, numa manhã, justamente à hora do sol nascer, ela se mostrou.
E ela, que se preparara com tanto esmero, disse, bocejando:
-Ah! Eu acabo de despertar... Desculpa... Estou ainda toda despenteada...
O principezinho, então, não pôde conter o seu espanto:
-Como és bonita!
-É verdade - respondeu a flor docemente. - E nasci ao mesmo tempo que o sol...
O pequeno príncipe percebeu logo que a flor não era modesta. Mas ela era tão envolvente!
- Creio que é hora do café da manhã - acrescentou ela. - Tu poderias cuidar de mim...
E o principezinho, atordoado, tendo ido buscar um regador com água fresca, molhou a flor.
- Não tenho medo dos tigres, mas tenho horror das correntes de ar. Não terias por acaso um para-vento?
"Horror das correntes de ar... Isso não é bom para uma planta", pensara o pequeno príncipe.
"É bem complicada, essa flor..."
Assim, ela logo começou a atormentá-lo com sua doentia vaidade. Um dia, por exemplo, falando dos seus quatro espinhos, dissera ao pequeno príncipe:
- Os tigres , eles podem aparecer com suas garras!
- Não há tigres no meu planeta - retrucara o principezinho. - Além disso, tigres não comem ervas.
-Não sou uma erva - respondera a flor suavemente.
-Perdoa-me...
-À noite me colocarás sob uma redoma de vidro. Faz muito frio no teu planeta. Não é nada confortável. De onde eu venho...
De repente, calou-se. Viera em forma de semente. Não pudera conhecer nada dos outros mundos. Encabulada por ter sido surpreendida em uma mentira tão tola, tossiu duas ou três vezes e, para fazê-lo sentir-se culpado, pediu:
- E o para-vento?
-Ia buscá-lo. Mas tu falavas...
Então ela forçou a tosse para causar-lhe remorso.
Então, o princepezinho, apesar da sinceridade do seu amor, logo começara a duvidar dela. Levara a sério palavras sem importância, e isto o fez sentir-se muito infeliz.
-Não devia tê-la escutado -confessou-me um dia - , não se deve nunca escutar as flores. Basta admirá-las, sentir seu aroma. A minha perfumava todo o planeta, mas eu não sabia como desfrutá-la. Aquela história das garras, que tanto me irritara, devia ter -me enternecido..
Confessou-me ainda:
- Não soube compreender coisa alguma! Deveria tê-la julgado por seus atos, não pelas palavras. Ela exalava seu perfume e me alegrava... Não podia jamais tê-la abandonado. Deveria ter percebido sua ternura por trás daquelas tolas mentiras. As flores são tão contraditórias!
Mas eu era jovem demais para saber amá-la.

Creio que ele se aproveitou de uma migração de pássaros selvagens para fugir. Na manhã da viagem, pôs o planeta em ordem. Revolveu cuidadosamente seus vulcões. Ele possuía dois vulcões em atividade. E isso era muito cômodo para esquentar o café da manhã. Possuía também um vulcão extinto. Mas como ele dizia: "Nunca se sabe!", revolveu também o extinto. Se são bem revolvidos, os vulcões queimam lentamente, constantemente, sem erupções. As erupções vulcânicas são como fagulhas de lareira. Aqui na Terra, somos muito pequenos para revolver os vulcões. Por isso é que eles nos causam tanto dano.
O pequeno príncipe arrancou também, não sem um pouco de tristeza, os últimos rebentos de baobás. Ele pensava em nunca mais voltar. Mas todos esses trabalhos rotineiros lhe pareceram, naquela manhã, extremamente agradáveis. E, quando regou pela última vez a flor e se preparava para colocá-la sob a redoma, percebeu que tinha vontade de chorar.
- Adeus - disse à flor.
Mas a flor não respondeu.
Adeus - repetiu ele.
A flor tossiu. Mas não era por causa do resfriado.
- Eu fui uma tola - disse finalmente. - Peço-te perdão. Procura ser feliz.
A ausência de censuras o surpreendeu. Ficou parado, completamente sem jeito, com a redoma nas mãos. Não conseguia compreender aquela delicadeza.
- É claro que eu te amo - disse a flor.
-Foi minha culpa não perceberes isso.
Mas não tem importância. Foste tão tolo quanto eu. Tenta ser feliz... Larga essa redoma, não preciso mais dela.
-Mas o vento...
-Não estou tão resfriada assim... O ar fresco da noite me fará bem. Eu sou uma flor.
- Mas os bichos...
- É preciso que eu suporte duas ou três larvas se quiser conhecer as borboletas. Dizem que são tão belas! Do contrário, quem irá visitar-me? Tu estarás longe... Quanto aos bichos grandes, não tenho medo deles. Eu tenho as minhas garras.
E ela mostrou ingenuamente seus quatro espinhos. Em seguida acrescentou:
- Não demores assim, que é exasperante. Tu decidiste partir. Então vai!
Pois ela não queria que ele a visse chorar.
Era uma flor muito orgulhosa...